abril 04, 2017

[Séries] 13 Motivos Para Pensar Sobre Os 13 Porquês


Nesse fim de semana, a internet quebrou com o lançamento da série Os 13 Porquês (13 Reasons Why). Produzida pela Netflix e baseada no livro homônimo de Jay Asher, a história de Hannah Baker foi para as telas com uma carga emocional ainda maior do que no original. A adaptação ficou tão boa que foi além das consequências descritas no romance e deixou em um brilhante final aberto possibilidades assustadoramente reais. 

Este post contém spoilers sobre a série, portanto, se você ainda não terminou de assistir a produção, recomendo que faça uma maratona com direito a lenços de papel, pipoca e cobertores. Caso você tenha conseguido maratonar Os 13 Porquês no seu fim de semana de estréia, coloque seus fones de ouvido, dê play na trilha sonora da série - aqui -  e vamos começar a falar sobre uma garota morta, boatos, estupro, bullying, o colegial, o sistema educacional e as algumas das muitas consequências de tudo isso.

1 - Viver no passado. A fotografia, excelente, diga-se de passagem, privilegia propositalmente as cenas do passado, memórias de Clay. Viver no passado é uma característica da depressão, assim como viver no futuro é uma característica da ansiedade. Quando Clay pensa sobre Hannah e mergulha em tempos coloridos, mais felizes para ele, claramente percebe-se que a tristeza - representada na tonalidade acinzentada - que domina seu presente após a morte de Hannah indica um problema sério e que precisa de tratamento.

2 - Ela se envolveu com os caras errados porque todos eles pareciam ser certos, até provarem não ser. Cada tentativa de Hannah com um cara foi porque ela realmente acreditou que desta vez seria diferente. Ela acreditou no sorriso meigo de Justin, no jeito engraçado de Marcus, no olhar confiante de Bryce. 

Cada homem em quem confiou a traiu e isso fez com que a jovem não conseguisse mais acreditar em ninguém. Por isso, Clay, o único de todos os garotos que realmente valia a pena, também foi afastado por Hannah. Seu coração cansado de sofrer não aguentaria mais uma decepção e, assim, ao tentar se proteger, ela destruiu a única coisa boa que tinha conquistado.

3 - O ciclo infinito de maus-tratos. Fica bem claro que a vida de Justin Foley fora da escola é completamente diferente da de todos os outros garotos. A mãe viciada que o deixa passar fome e, ainda colocou dentro de casa um namorado violento, não se importa com o filho o suficiente e, por isso, é tão difícil para ele se importar com alguém.

De longe um dos personagens que mais sofrem em toda a série, Justin é o típico resultado da vida que teve. Sobrevivendo às custas do "amigo", o único com quem realmente pode contar, ele ignora as atrocidades protagonizadas por Bryce porque acredita não ter outra opção. Em outra vida, Justin talvez não fosse uma pessoa ruim, mas sua realidade o transformou num monstro.

4 - O medo nos paralisa e a culpa nos corrói. Em mais de uma situação, Hannah ficou paralisada pelo medo e depois se sentiu culpada por não ter conseguido fazer mais. Primeiro, quando Bryce aperta sua bunda, ela não sabe como reagir. Segundo, quando ela testemunha o estupro da amiga, mas não consegue se mexer. E terceiro, quando Bryce a estupra e ela não tem forças para dizer não. 

As três situações aconteceram em momentos diferentes e a impactaram de forma semelhante. A humilhação, a vergonha e o medo tiraram dela o que ela era e o que tinha de melhor. Hannah não conseguiu se impôr, principalmente porque não havia muito dela para impôr. Ela já estava quebrada desde o primeiro motivo e cada coisa que aconteceu depois a destruiu um pouco mais.

5 - Cada coisa que te faz feliz é importante. Hannah já não levava uma vida fácil na escola, mas quando seus pais a obrigaram a sair do trabalho no cinema - que ela adorava - para ajudar nas contas, ela morreu um pouco mais. Se poucas coisas na sua vida realmente importam, não as abandone nunca. Lute por elas. Os coelhinhos que Clay desenhava para Hannah, por exemplo, eram extremamente importantes para ela porque eram tudo o que ela acreditava ter. Por isso, perdê-los foi tão devastador.

6 - Algumas pessoas fingem melhor do que outras. Na fita de Zach - uma das mais comoventes, na minha opinião - Hannah deixa claro que vê no popular jogador de basquete a mesma solidão que em si mesma. Muitas vezes nos sentimos sozinhos enquanto estamos cercados de amigos. O que Zach mostrava ser era apenas uma versão da realidade que cada vez mais é vendida por essa nossa geração.

Vivemos cada vez mais isolados em nossas ilusões e fingimos sorrir para fotos quando na verdade estamos despedaçados e sozinhos. Não somos o que acham de nós - assim como Hannah não era seus rótulos -, e também não somos o que mostramos ser. Somos algo mais. Algo que ninguém mais consegue ver, muitas vezes, nem nós mesmos.

7 - Hannah pediu ajuda, mas ninguém acreditou que fosse tão sério. Em diversos momentos Hannah deixou claro que queria dar fim à própria vida. Em seu poema e em seu recado - ambos anônimos - e, principalmente, para o conselheiro da escola. Muitas vezes os conselhos que nos dão não são os que queremos ouvir e quando o Sr. Porter lhe diz que se ela não lhe der um nome ele não poderia fazer nada juridicamente, ela se sente sozinha e sem apoio. Outra vez. 

É notável a falta de empatia que o conselheiro demonstra para com Hannah. Suas insinuações, que mais parecem um interrogatório policial a deixam desconfortável e fazem com que ela tenha ainda menos vontade de se abrir com ele. Talvez se a antiga conselheira estudantil estivesse no cargo as coisas fossem diferentes, apenas talvez.

8 - Pais que trabalham demais e não têm tempo para seus próprios filhos. Em dois extremos, vemos os pais excessivamente preocupados de Clay Jensen e os amorosos, porém distantes, pais de Hannah. A mãe de Hannah não sabia quem eram os amigos da filha - se é que ela tinha algum - e não procurou saber. Quando conversavam, os pais sempre a interrompiam para falar sobre problemas do trabalho, como se a garota não fosse mais importante que isso. Infelizmente, é comum sentir que seus pais não te ouvem enquanto você conta como foi o dia ou que eles tem coisas mais importantes para fazer. 

Os pais de Clay só instituíram um "horário da família" quando perceberam que os distúrbios psicológicos do filho estavam de volta. Forçar um contato que foi inexistente durante toda a infância pode fazer com os filhos desejem se afastar mais e mais. Tempo em família é importante para a criança até que um dia deixa de ser. Se você nunca teve o hábito de se reunir com seus filhos, não tente forçá-los a tal, eles aprenderam e se acostumaram com isso a vida toda, é preciso começar devagar. 

9 - A popularidade comanda o colégio. Nenhuma novidade. Os garotos ricos, os atletas, os caras mais bonitos e as líderes de torcida mandam na escola. Isso porque o colegial é uma prévia maldosa da vida real, onde as aparências vão ditar quem você vai ser e o que você vai ter.

10 - O sistema educacional falho que condiciona crianças e tira delas sua individualidade. Uma crítica atemporal a um sistema antiquado, injusto e excludente, quando Hannah se diz despreparada para escolher o que quer fazer da vida, ela fala sobre o que qualquer jovem vive. Não é a toa que cada vez mais adolescentes ingressam em faculdades e trancam seus cursos pouco tempo depois por não terem certeza do que estão fazendo. 

Essa infelicidade constante, esse medo do futuro e essa incerteza são características de uma geração que vive no pós-guerra. Nós vimos como nações podem ser diminuídas a pó por armas nucleares e ideias segregacionistas. Nós convivemos com o conhecimento de que a vida humana pode estar com os dias contados e que os recursos naturais estão se esgotando. Ainda assim, somos condicionados a escolher uma carreira que se enquadre em nossos padrões sociais e financeiros para tentar nos sustentar pelo tempo que tivermos. Já parece ridículo ter que escolher quando nem se sabe se o futuro vai existir.

E sem preparo algum somos jogados em provas que nunca conseguiriam medir nossa real capacidade, mas nos qualificam e nos julgam merecedores de oportunidades. De uma hora para a outra, trocamos nossos lugares definidos e o relógio onde a hora parece nunca passar por um mundo nada parecido com a escola, onde nada se define e o tempo nunca é suficiente.

11 - Acontece de novo e de novo, embaixo dos nossos narizes. Os sinais para outros suicídios estavam lá o tempo todo. A forma como Alex não se importava com mais nada e, diferentemente dos demais, carregava uma culpa avassaladora por ter matado Hannah Baker, era um sinal. Seu quarto organizado e sua vida regrada pelo pai policial não deixavam espaço para falhas e o tiro que ele deu em si mesmo foi sua maneira de abandonar um arrependimento que nunca o deixou.

Apesar de toda a prevenção e discussão presente no seriado, a morte de Alex não foi motivada por bullying e isso mostra que o suicídio não está diretamente ligado a isso, mas está diretamente ligado a dor. O que Alex sentiu ao encarar a responsabilidade por tudo o que aconteceu com Hannah foi destruidor e o corroeu pouco a pouco. Suas dores de estômago podiam indicar seu estresse, suas crises nervosas e seu constante descontentamento estiveram ali o tempo todo, imperceptíveis, disfarçados.

12 - Existem várias versões da verdade. Hannah Baker não mentiu, ela contou sua realidade. O conceito de verdade é subjetivo e o que ela viveu pode não ser o suficiente para devastar outra pessoa, mas foi demais para ela. Julgar o tamanho da dor dos outros ou tentar comparar sofrimento é ser no mínimo injusto. 

Quando disse que Jessica se afastou dela, Hannah revela sua percepção do fim da amizade, que não necessariamente é a verdadeira. Assim como quando ela disse ter visto Zach amassar o bilhete. Tudo o que vivemos é real apenas para nós e ninguém nunca será capaz de enxergar ou sentir as coisas da mesma forma como enxergamos ou sentimos. Somos tão únicos quanto a dor que carregamos.

13 - O final e a assustadora possibilidade de um massacre no colegial. Tyler Down nunca foi melhor ou pior que nenhum dos outros motivos, mas sempre foi taxado como um dos mais desprezíveis garotos do colégio. O bullying que ele sofre constantemente fica fora do plano principal, mas nem por isso é menos importante. Tão ou mais machucado do que Hannah, Tyler convive com a exclusão dos colegas e o ódio de cada um deles.

Essa raiva acaba se transformando num desejo por vingança - tanto que ele é um dos primeiros a entregar os colegas em seu depoimento - e em um flash vemos seu arsenal de armas escondido dentro do quarto. Em fotos penduradas em sua sala escura, vemos todos aqueles que já o fizeram sofrer ou o maltrataram, inclusive Clay que em um momento de raiva divulgou uma foto dele nu para o resto da escola. A única pessoa de quem não planeja se vingar é Alex, que o defendeu de um agressor e provou-se "merecedor" de sua empatia. A perspectiva da matança planejada no Liberty High fica sugestionada e aterroriza o espectador.
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Eu podia falar sobre mais outros mil motivos sobre a importância dessa série como o desarmamento, o consumo irresponsável de álcool e drogas, o luto e a negação dos pais em admitir as falhas de comportamento de seus próprios filhos, os estupros cometidos por Bryce, os casamentos desgastados de pais que se mantém juntos por seus filhos, a questão do medo de aceitar sua própria sexualidade, os riscos que festas sem supervisão podem representar, o abuso psicológico e físico que jovens podem estar sofrendo em casa, a forte cena de Hannah cortando os pulsos, a intimidação, a auto-mutilação... enfim, essa série traz muitos questionamentos à tona, mostrando de uma forma sincera o quanto pequenas e grandes coisas podem afetar os outros.

Mesmo a mais gentil das pessoas pode cometer um erro estúpido, como aconteceu com Clay quando ele decidiu se vingar de Tyler Down e o ciclo interminável de dor não termina. É preciso se esforçar para ser gentil, tentar compreender o outro e aceitar as diferenças sem julgamento. Somos todos motivos, até mesmo a própria Hannah foi cruel com Tyler ao rir dele. 

O que devemos é nos esforçar constantemente para sermos os motivos pelos quais alguém vai sorrir, nunca pelos quais alguém vai chorar. Vamos falhar e fracassar algumas vezes, mas um só motivo para ficar pode compensar todos os outros motivos para partir. Tente e nunca desista. Você não está sozinho e as coisas vão melhorar. <3 
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